Desculpem a demora, queridos leitores. Após uma pausa, motivada pelo feriado de carnaval (e etc.), finalmente chego ao grande momento. Um tapete vermelho, um toldo rodeado de flores proporcionando sombra e um grupo de animadores trajados de marinheiros. Esta primeira visão sabia que nada tinha a ver comigo, tratava-se apenas da recepção aos passageiros. Tanto próximo à proa (frente do navio), como mais ao centro, haviam entradas. Aos passageiros estavam destinadas: uma no mesmo nível do chão, referente ao quarto deck (vulgarmente conhecido como piso/andar); e outra no quinto deck, fazendo-se necessária uma escada. A entrada dos tripulantes localizava-se também no quarto deck, e de lá saiu um verdadeiro oficial italiano, alto e parecido com Elvis Presley, exceto pelo inglês que era muito esquisito. Ao finalizar a conversa com o rapaz da MSC que havia nos escoltado da sala da Polícia Federal no porto até o navio, atravessamos uma pequena passarela. Olhei o estreito trecho de mar que separava o concreto do aço, e quase fiz uma analogia com o passo que estava dando na minha vida, mas não tinha tempo pra reflexões, eu já estava na gangway com um homem de terno preto pedindo meus documentos. Ele, apesar de bonito, era mal encarado. Depois eu viria a descobrir que se tratava nada mais do que um security israelense, treinado pelo exército de Israel - se é que vocês compreendem o meu sarcasmo.
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Um ambiente belo e hostil. Se pararmos pra pensar, mesmo uma floresta - símbolo da harmonia entre os seres - é assim. Leva tempo até você se adaptar. Eu já estava confusa pra qual lado ficava a porta de saída, quando nos deixaram parados em frente a sala do Crew Purser. Ainda não sabia quem era, o que fazia, e se era meu chefe. Só sei que entrei na sala, escrevi num papel os bens que carregava comigo (notebook, celular, etc.), entreguei o certificado do STCW, o passaporte, o comprovante da vacina contra febre amarela e o contrato já assinado na agência em Fortaleza (esqueci de algo?). Depois tirei uma foto - horripilante, por sinal - e me mandaram esperar no corredor. Lá, conheci um rapaz de Curitiba que veio sozinho contratado para o mesmo cargo, e sofreu piores adversidades até chegar ali. Estávamos todos exaustos.
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Lembro que antes de embarcar, liguei pra casa e avisei da probabilidade de demorar alguns dias até poder entrar em contato novamente. Meu estômago e mente estavam revirados com tanta informação mal digerida. Logo apareceu um homem alto e de olhos azuis nos guiando até o Bar Office, um búlgaro chamado Anatoli. A princípio ele parecia querer nos deixar relaxados e, quando me perguntou "Como você está?", eu respondi "Tenho 24 anos". Foi a maior gozação. Minha mente estava bloqueada, mas ele parecia sensitivo e me entrevistou de forma tranquila. Em seguida, apareceu outra búlgara vestida de oficial, a Nataliya, e eles nos guiaram até nossas cabines. Cada um tinha um cartão magnético com o nome, o número do passaporte, o número da cabine, o cargo, e um espaço em branco onde seria colocado o safety number - referente a posição no exercício de salvaguarda - e o número do bote ou baleeiro.
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Quando cheguei na minha suposta cabine, percebi que a minha roommate (companheira de cabine) morava com o namorado. De acordo com as regras do navio, só pessoas casadas ou com relação estável comprovada podem compartilhar o quarto, no entanto, existem concessões e vista grossa. E quando fazem parte do mesmo departamento é mais fácil manejar isso. O problema é que colocaram a minha colega de Fortaleza em uma cabine sozinha, então não entendi porquê cargas d'água me fizeram pivô daquela separação. Definitivamente, ainda não sabia o que me esperava. E o embrulho no estômago só aumentava.